A fusão entre campo e capital em 2025

Agronegócio 13/08/2025 07:52

Há muito o agronegócio deixou de ser apenas um setor da economia para tornar-se, ironicamente, seu próprio regime jurídico. Em vez de apenas fornecer commodities, passou a produzir estruturas, instrumentos e narrativas capazes de redesenhar a própria lógica das operações societárias no Brasil. Em 2025, não se trata mais de perguntar o quanto o campo contribui para o PIB — isso é irrelevante. A questão real é como ele se tornou o novo centro gravitacional das transações empresariais mais sofisticadas do país, com estruturas híbridas que operam simultaneamente nos registros de imóveis, na Comissão de Valores Mobiliários e na Junta Comercial.

A sofisticação dos veículos societários que percorrem os campos de soja, cana, eucalipto e florestas de crédito climático têm feito da zona rural uma zona franca para a inovação jurídica e, por que não dizer, uma zona cinzenta onde cláusulas antes tidas como exclusivas das operações urbanas (M&A, private equity, IPOs) passam a colonizar o campo com velocidade e apetite. É neste cenário que DAFs (Debêntures de Agronegócio), SAFs (Sociedades de Propósito Específico voltadas à agroindustrialização), CRAs, Fundos Imobiliários Rurais e holdings patrimoniais rurais adquirem protagonismo — não apenas como instrumentos de financiamento, mas como plataformas societárias para captura de liquidez, alocação de risco e operações complexas de fusões e aquisições.

 

E há um fator determinante nessa transformação: o agronegócio virou alvo. Fundos de private equity, investidores institucionais e grandes grupos estrangeiros — especialmente canadenses, árabes e americanos — passaram a enxergar nas estruturas rurais não apenas potencial de rendimento, mas um ecossistema regulatório flexível, com margem para otimização tributária, pactuação contratual livre e elevado grau de informalidade gerencial que, uma vez profissionalizado, converte-se rapidamente em ganho de múltiplo. Em 2025, não é mais raro ver SAFs com estrutura de conselho de administração, comitês de compliance climático, cláusulas anti-greenwashing e direitos de preferência com lock-up típico de IPO. O agro entra na bolsa — ou quase.

 

No epicentro dessa conversão está a figura do produtor rural enquanto persona jurídica moldável. Tradicionalmente avesso a estruturas formais, o setor passou por um processo acelerado de formalização via holdings patrimoniais, empresas de gestão rural e constituição de sociedades limitadas ou anônimas com sede em regiões rurais. A Receita Federal, o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a rastreabilidade de defensivos, a cadeia logística e as exigências de crédito transformaram o campo em um ambiente documentado. E a consequência lógica desse processo foi a transformação da terra em ativo financeiro líquido — via securitização, alienação fiduciária, direito real de uso, CPRs ou fundos. Em outras palavras, a terra virou “deal”, e o fazendeiro, seller.

 

Neste ponto, DAF e SAF tornam-se espelhos complementares. O DAF financia. A SAF opera. Mas é a cláusula que viabiliza. E aqui entra a cláusula “urbana” que contamina a operação rural. Gatilhos de ajuste de preço por produtividade certificada (como em safras de algodão com selo BCI), cláusulas MAC (material adverse change) ligadas a variações climáticas extremas, earn-out escalonado por desempenho ESG e estruturas de put option amarradas a mudanças na política de crédito rural (vide o novo Plano Safra) são cada vez mais comuns. O campo, como ativo, não tolera mais informalidade. Tampouco improviso.

 

A tendência internacional corrobora esse movimento. O relatório da OECD de 2024 sobre Agricultural Investment Vehicles and Sustainability Clauses destaca o crescimento de operações híbridas envolvendo SAFs, debêntures sustentáveis e fundos ESG em países como Chile, México, Austrália e Canadá. A similaridade entre esses modelos e os brasileiros não é coincidência, é convergência de um mercado que busca liquidez em ativos reais com narrativa verde. O problema, como sempre, é a assimetria regulatória. Enquanto os países desenvolvidos impõem due diligence exaustiva e disclosure compulsório, o Brasil ainda opera com um misto de boa-fé rural e papel passado em cartório de comarca.

 

Não se trata de crítica ao agro que segue pujante, inovador e absolutamente vital à economia. Trata-se de crítica ao amadorismo jurídico de certas estruturas que se vendem como profissionalizadas, mas escondem cláusulas tortas, passivos ocultos e uma visão limitada de governança. Em tempos de M&A rural de alta complexidade, com múltiplos stakeholders, investidores estrangeiros e integração ESG, o contrato virou trator: limpa o terreno ou esmaga quem estiver no caminho.

 

O Brasil, se quiser consolidar esse novo momento de protagonismo rural nos mercados de capitais e operações societárias, precisará investir na formalização jurídica do agro com qualidade. Isso inclui tipificação legal clara para SAFs, harmonização regulatória para DAFs, incentivos à certificação fundiária e ambiental, estímulos à profissionalização contratual e, acima de tudo, um sistema de enforcement que não dependa de anos de litígio para separar o bom produtor do aventureiro climático.

 

A verdade é que o agronegócio de 2025 não é mais um setor produtivo, é um ecossistema societário. E quem continuar tratando-o como se fosse apenas uma grande fazenda com notas promissórias em papel almaço, perderá o timing, o negócio e, provavelmente, o cliente. O agro é pop. Mas o M&A é cláusula. E cláusula, como sabemos, não tolera bucolismo.

 


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